Por Diego Assis
Surgido
entre o final da década de 70 e início dos 80, influenciado pelo
pensamento dos dadaístas, futuristas, Fluxus e da Internacional
Situacionista –as principais vanguardas artísticas do século 20–,
o neoísmo tem como uma de suas características mais marcantes o uso
do plágio e dos chamados nomes múltiplos.
“Afirmamos
que o plágio é o verdadeiro método artístico moderno. O plágio é
o crime artístico contra a propriedade. É roubo, e, na sociedade
ocidental, o roubo é um ato político”, diz um dos manifestos do
movimento, reciclando o “détournement” de Guy Debord.
Assim,
um dos principais métodos dos artistas dessa corrente consiste em
apropriar-se da própria história da arte para criar um significado
novo para o que consideram um passado morto.
Entre
os membros do neoísmo –ou suas identidades coletivas– incluem-se
nomes como John Berndt, Luther Blissett, Monty Cantsin, tENTATIVELY
cONVENIENCE e Karen Eliot, este último um dos mais conhecidos
pseudônimos do próprio Stewart Home.
Músico,
videomaker, romancista, jornalista, crítico e, inevitavelmente,
artista, Stewart Home (ou Karen Eliot, Monty Cantsin, Luther
Blissett, você escolhe) é um produto direto do punk inglês do
final da década de 1970.
À
idéia de que qualquer um poderia montar uma banda, máxima do “do
it yourself” que reinava na época, Home adicionou a de que
“qualquer um pode se tornar um artista”. “Basicamente, acho que
se você convencer o poder cultural de que o que você faz é arte
então aquilo se torna arte”, explica Home. “Havia duas formas de
eu entrar: uma era bater na porta de uma galeria de arte comercial,
participar de exposições e deixar os críticos escreverem sobre o
meu trabalho, enquanto eu me concentrava em produzir objetos para
vender. E a outra era escrever a minha própria história.”
Familiarizado
com os textos da esquerda italiana e dos comunistas holandeses e
alemães, decidiu “testar” a sua teoria promovendo um verdadeiro
assalto à cultura dominante, tomando parte em um movimento que, em
suas próprias palavras, era um “prefixo e um sufixo sem conteúdo”,
o neoísmo. É preciso endurecer, mas sem perder a piada:
“Queremos
chegar a uma situação em que todos percebam todos os aspectos de
sua humanidade, que são físicos, emocionais, intelectuais, e o
humor não pode ser excluído. Uma revolução que não é divertida
não será boa para mim nem para ninguém”.
Assim,
por meio de sua revista “Smile”, ajudou a divulgar os manifestos
neoístas, os festivais de apartamento, os festivais do plágio e,
principalmente, a Greve da Arte, idéia que “roubou”
deliberadamente do alemão Gustav Metzger e que sugeria aos artistas
de Londres que parassem de produzir por um período de três anos,
entre 1990 e 1993.
Ainda
que o impacto tenha sido limitado –o próprio Home diz hoje que não
acreditava que a paralisação fosse de fato ocorrer–, restaram
como parte de sua “obra”, os próprios textos que criticavam ou
defendiam sua proposta publicados em revistas underground da época.
Os
escritos estão sendo publicados agora no Brasil pela editora Conrad,
que, em 1999, já havia publicado seu livro mais famoso, “Assalto à
Cultura”, um apanhado crítico sobre as principais vanguardas do
século 20 que ajudaram a formatar o neoísmo.
A
obra, que, com pouco mais de 15 mil exemplares vendidos na
Inglaterra, é considerada o “best-seller” de Home, vem sendo
usada como livro de cabeceira de diversos jovens artistas e ativistas
antiglobalização. “Tem gente que me diz que algumas dissertações
de mestrado, geralmente de alunos de arte, são verdadeiros plágios
dos meus textos. Eles provavelmente têm coisas melhores a fazer do
que se preocupar em escrever dissertações bobas”, relativiza.
“Buceta”,
seu romance mais recente, também será publicado pela editora
Pressa, com tradução de Graziela Kunsch. O romance, construído a
partir do plágio e da repetição de cenas de sexo, narra as
desventuras do protagonista em busca das mil primeiras mulheres com
quem teve relações.
Estas
e uma dezena de outras reproduções de obras de Home podem ser
vistas até a próxima quarta no 8º Cultura Inglesa Festival.
Duas
palestras “1001 maneiras de reencenar a morte da vanguarda”, uma
amanhã em São Paulo e outra na quarta-feira no Rio, também fazem
parte do roteiro de Home pelo país.
“Basicamente
o que vou falar é sobre como usei esse conhecimento sobre vanguardas
para me configurar como um artista, sem ter nunca passado por uma
escola de arte”, conclui.
Nos
anos 80, Londres foi invadida por manifestos pregando a destruição
das instituições de arte sustentadas pelo capitalismo. Obra dos
neoístas, grupo que atualiza o humor corrosivo das vanguardas
dadaísta e surrealista para os tempos modernos.
De
passagem por São Paulo para uma palestra sobre as “1.001 maneiras
de reencenar a morte da vanguarda”, Stewart Home, 42, um dos
expoentes daquele movimento, aceitou um convite da reportagem da
Folha para um tour por marcos oficiais da arte paulistana.
Capitalista por definição.
“Não
gosto disso. Parece que eles vão afundar na terra”, castigou Home
ao ver o tradicionalíssimo “Monumento às Bandeiras”, de Victor
Brecheret (1894-1955). Informado sobre as conotações nacionalistas
e pré-modernistas da obra, enfatizou: “Está todo carregado de
simbolismos, querendo passar uma mensagem heróica, mas é tão
pesado que afunda tentando”.
Comunista
–”não bolchevique!”– convicto, Home não engoliu as relações
de poder sugeridas pelo monumento que, teoricamente, deveria exaltar
a união entre nativos e colonizadores. “Os caras no cavalo
enquanto os outros estão a pé empurrando o barco? Isso não
funciona para mim.”
O
tour continuou em direção à avenida Paulista, pólo financeiro da
mais opulenta capital da América do Sul. Parada obrigatória: o Masp
(Museu de Arte de São Paulo), projetado por Lina Bo Bardi
(1914-1992) e fundado por Assis Chateaubriand, poderoso homem de
mídia da fase de arrancada da locomotiva paulistana.
“Percebe-se
que os burgueses separam os melhores prédios para eles próprios”,
alfinetou. Mas, ao contrário dos anteriores, este agradou aos ideais
estéticos de nosso turista acidental: “Isso, sim, é modernismo.
Você vê a elevação por meio das colunas. Gosto dessas colunas
vermelhas e do fato de criar um espaço público embaixo”, disse
referindo-se ao vão do prédio, que, aos finais de semana recebe
centenas de pessoas em sua feira de antigüidades.
Enfim,
um bom local para expor os seus trabalhos? “Sim. Não ligaria de
transportar esse prédio inteiro para o centro de Londres para que eu
pudesse morar dentro dele! Seria ótimo, não?”, riu.
Depois
de horas de tortura intelectual para um legítimo neoísta (”A vida
começa onde a história termina”, reza um de seus slogans), o
passeio terminou em outro cartão-postal que, definitivamente, Home
não vê problemas em escolher como lar: o edifício Copan,
idealizado por um dos artistas brasileiros mais radicais defensores
do comunismo, o arquiteto Oscar Niemeyer.
“Fantástico!
Essas curvas são ótimas. É assim que as pessoas deveriam viver nas
grandes cidades. Quando se vive em um bloco de apartamentos, pode-se
ter uma interação com os vizinhos que não acontece com quem mora
em casas. Lindo, não é? Acho que todo prédio deveria ser feito
assim.”
E
São Paulo falou a sua língua.
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